Correio Central
Voltar Notícia publicada em 24/07/2015

Família de homem linchado teme que agressões se tornem comuns

"Não queremos que isso se repita com outras famílias. E se um desses que o linchou perder o filho para as drogas como aconteceu com a gente? Antes de perdermos ele para o crime, o perdemos para as drogas. E agora perdemos para o linchamento", desabafa a mulher, ao contar que o homem era usuário de d

A família do homem que foi linchado após ter supostamente matado um menino de seis anos que tentou salvar a irmã de um estupro na Vila de Samuel (RO) pediu justiça, nesta sexta-feira (24). Durante o enterro do suspeito dos crimes, cometidos na terça-feira (21), entre lamentos e desespero, os parentes também pediram que o ato de "fazer justiça com as próprias mãos" não se torne banal. A Polícia Civil está investigando o caso.

 

O corpo foi sepultado nesta manhã, no Cemitério Municipal de Santo Antônio, em Porto Velho, a 50 quilômetros de onde o linchamento aconteceu. O homem morreu na noite de terça, quando foi retirado de uma viatura da Polícia Militar e espancado até a morte por cerca de 300 moradores da vila.

 

"Nós queríamos a chance de ouvir dele o que aconteceu. As pessoas não entendem que por trás de tudo isso há uma família sofrendo que jamais apoiaria um crime desses, mas queríamos que ele fosse julgado", lamenta uma familiar do suspeito, que preferiu não se identificar por medo de julgamentos.

Homem foi enterrado nesta sexta (24) em Porto Velho (Foto: Ísis Capistrano/ G1)Homem foi enterrado nesta sexta (24), em Porto
Velho (Foto: Ísis Capistrano/ G1)

Segundo o boletim de ocorrência, no linchamento, o homem foi agredido com pedaços de pau, levou uma pedrada na cabeça e ainda foi esfaqueado. Ele não teria tentado se defender.

 

"Não queremos que isso se repita com outras famílias. E se um desses que o linchou perder o filho para as drogas como aconteceu com a gente? Antes de perdermos ele para o crime, o perdemos para as drogas. E agora perdemos para o linchamento", desabafa a mulher, ao contar que o homem era usuário de drogas e já tinha se envolvido em alguns crimes.

 

Os familiares não se conformam e preferem se manter no anonimato devido à grande repercussão dos fatos. Segundo eles, há conhecidos que conviveram com o suspeito que estão julgando a família. Para a mulher, nenhuma mãe cria um filho para o crime e o desrespeito com a família é hediondo. A família alega que não conseguiu ver os vídeos e fotos das agressões que têm sido divulgados pela internet.

 

Apesar da comoção, a família deixou claro que lamenta pela outra família, que teve a perda da vida de uma criança. "Eu fiquei arrasada, é a idade do meu neto. Ele tinha duas passagens pela polícia, mas nada envolvendo criança. Se ele realmente fez isso, jamais iríamos apoiar", disse a mulher.

 

Investigações
Segundo o diretor-geral da Polícia Civil deRondônia, Pedro Mancebo, houve um homicídio e o caso será investigado. "Havendo a prova de que alguém foi morto, a Polícia Civil instaura o inquérito para descobrir como foi a morte. Neste caso, o inquérito será muito complicado, porque houve a participação de muitas pessoas", explicou.

 

Mancebo disse que os envolvidos serão ouvidos e que as investigações vão tentar chegar aos responsáveis pelos golpes fatais. "Todo mundo agrediu a vítima, mas, se for constatado, por exemplo, que cinco ou seis desferiram os golpes capazes de matar, essas pessoas serão indiciadas pelo homicídio", esclarece.

 

Outro ponto que deve ser apurado pela Polícia Civil, conforme o diretor, é a atuação dos policiais militares no caso, já que a vítima encontra-se detida, sob a responsabilidade da PM.

 

Já a Polícia Militar (PM) alegou que o clamor público do momento transcendeu a tentativa dos policiais em conter os populares, já que havia cerca de 300 pessoas para quatro policiais. Entretanto, os fatos serão apurados pela corregedoria da corporação.

 

Linchamento x Justiça
Para o professor de segurança pública e direitos humanos da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o linchamento é, acima de tudo, sinal de que as instituições do sistema de Justiça e de execução penal perderam a confiança da sociedade pela demora em apresentar soluções. "Mas também demonstra a incapacidade da autoridade policial e do poder público de modo mais amplo em impedir esse ato máximo de violência", defende.

 

O professor alerta que, apesar da indignação e do clamor social serem relativamente compreensíveis, não há justiça nos atos de linchamento. "Para que haja justiça, é preciso a observância do processo legal que implica em proporcionar o direito de defesa do acusado e o cumprimento da pena. E não de um ato de barbárie na rua".

 

Fonte: G1 RO  - Isis Capistrano

Foto Isis Capistrano

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